as linhas vermelhas
em andar subsolar
precariamente escorado no raiar antecipado das barras do trem
avanço delongo estações
tomado pelo estalo que faz o espaço entre os trilhos da madrugada
(engenho sutil da natureza
abafa o encontro selvagem dos órgaos ordenados a sonhar)
gotas agudas
do chacoalhar inerte
embalam o comboio
que vai somando cardíacos insuficientes
no aperto de cada parada
aos minutos ocorre a luz febril
que encerra o crepitar das vias férreas
conciliadas no silêncio
do corpo que conta já possuir mais braços que pernas
ao escorregar pela aorta
– dilatação pelo lado esquerdo do tórax
quem nasce em Bacurau é o que?
gosto de andar com gente bonita
esquisita de todo circo
gente que a vida é tão vida
que no ato de estar
excita
gente que anda exibindo que é isso
gente
que se gosta tanto
que ao acaso a gente imita
gente que grita e irrita
gente que anda despida pra ver e ser
vista
como era
como quer
como dá
como gente
sem prazo de eternidade
gente que sabe só
lamber a verdade que sente
entre a carne
até esquecer
que é gente
logradouro
sobressaltado
abro os olhos
– é o vizinho outra vez
logo cedo aquela maldita furadeira
não acaba nunca essa mudança!?
levanto para mijar
o sabonete me alerta
– não estou em casa
subitamente reconheço o silêncio do último andar
atormentado
na vígilia
– era meu peito
quem me acordava
sem remetente
Gustavo Duarte
27 anos, nascido em São Paulo
Professor de redação e literatura
Antigo aluno do Largo São Francisco
Estudante de filosofia
Vagabundo procurando seu lugar
“Linhas Vermelhas”: arte de Marcela Castro.